O Vale-Cultura: regulação econômica ou livre-mercado?

A presidente Dilma sanciona a Lei do Vale-Cultura, em 27/12/2012.
A Ministra da Cultura Marta Suplicy apresenta ao vivo, daqui a pouco, o Vale-Cultura ao público gaúcho, no Teatro São Pedro. Instituído pela Lei Federal 12.761, o Vale integra o Programa de Cultura do Trabalhador, cujos objetivos são "possibilitar o acesso e a fruição dos produtos e serviços culturais; estimular a visitação a estabelecimentos culturais e artísticos; e incentivar o acesso a eventos e espetáculos culturais e artísticos."
O Vale-Cultura, com valor de R$ 50, poderá ser concedido a trabalhadores que recebem até 5 salários mínimos, mediante desconto de 10% na folha de pagamento. Os restantes 90% poderão ser  reembolsados ao empregador mediante dedução no Imposto de Renda, até o limite máximo de 1% do total devido. Especula-se que o mecanismo possa injetar entre R$ 7 e 11 bilhões no mercado cultural, dependendo da forma como for regulamentada a Lei.
Além de empregadores, empregados e governo federal, a circulação do Vale envolverá outros dois agentes: os estabelecimentos conveniados, que decidirem aceitar o vale em seus pontos de venda; e as empresas operadoras, que venderão o vale aos empregadores e reembolsarão os estabelecimentos, deduzindo sua taxa de administração (semelhante ao que fazem com vales-refeição)
Como ferramenta de política pública, pesa sobre o Vale-Cultura a suspeita, compartilhada por muitos artistas e pequenos produtores, de que irá canalizar recursos públicos exatamente para produtos comercialmente viáveis, à semelhança do que já ocorre com os demais mecanismos de renúncia fiscal (ex. Lei Rouanet). Esta suspeita é reforçada à medida que avança a discussão sobre os limites do Vale, deixando entrever aqui e ali os interesses do mercado: TV a cabo pode? Games? Revistas?
Diante desse quadro, o MinC necessita ser muito criterioso na regulamentação da lei, fugindo antes de mais nada à armadilha de uma falsa polêmica, já que não se trata aqui de definir se tais ou quais produtos ou setores são "culturais". Trabalhando desde a gestão de Gilberto Gil na ampliação dos limites de cultura como objeto de política pública; e tendo criado na gestão de Anna de Hollanda uma Secretaria de Economia Criativa, o Ministério não tem mais como recuar ao conceito clássico (no mau sentido) de cultura, restringindo o uso do vale às "belas artes". Mas tem sim a responsabilidade de decidir quais setores, ou quais elos dessa "nova economia" necessitam de apoio do poder público. Ou ainda, que diferentes tratamentos a lei deve dar para micro, pequenas ou médias empresas conveniadas. Os grandes players do mercado, é certo, já estão se habilitando para garantir sua fatia do bolo. Torçamos, portanto, para que o MinC seja feliz nessa regulamentação.
Independente disso, contudo, o Vale já teve o mérito de colocar em pauta o propósito das políticas públicas em cultura em si. Pois se esta nova ferramenta, ao que tudo indica, reforçará as tendências do mercado de concentração e exclusão, tando do consumo quanto da produção e distribuição, é natural que venhamos a perguntar: que outras ferramentas o poder público - federal, estadual e municipal - está utilizando contra tais tendências? Em outras palavras: dada a existência de um mercado de bens e serviços culturais, cuja expressão econômica não pode mais ser ignorada; e não sendo talvez o Vale-Cultura o mecanismo mais apropriado para a regulação desse mercado pelo Estado, o que mais o Estado está fazendo, ou pode fazer a respeito?

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