Observatório apresenta resultados de pesquisa de públicos em Congresso

Na semana passada, o coordenador do Observatório da Cultura de Porto Alegre, Álvaro Santi, participou, na Universidade Federal de Pelotas, do I Congresso Internacional de Pesquisa em Cultura e Sociedade, onde apresentou o artigo "Perfil do Público das Artes em Porto Alegre", baseado em dados da pesquisa Usos do Tempo Livre e Práticas Culturais dos Porto-Alegrenses, realizada pelo Observatório da Cultura da Prefeitura de Porto Alegre, que entrevistou 1.220 pessoas com 15 anos ou mais, entre o final de 2014 e o início de 2015. (Um primeiro relatório dessa pesquisa foi publicado aqui.)

O  artigo analisa as respostas sobre frequência da população a atividades artístico culturais externas, tais como a assistência a espetáculos de música popular e erudita,dança, teatro, exposições de fotos e artes plásticas e filmes em salas de cinema, segundo variáveis como idade, sexo, cor ou raça, escolaridade, renda, trabalho, profissão e estado civil. 

Desigualdade revelada: percentual de pessoas que nunca
frequentaram atividades culturais é maior entre os negros,
para todos os tipos de atividades. (clique para ampliar)
De acordo com a pesquisa, os resultados indicam desigualdades significativas na participação (veja exemplo no gráfico ao lado), exigindo  maior atenção das políticas públicas locais no sentido de ampliar os públicos desses eventos, notadamente jovens e idosos, negros, pessoas com baixa escolaridade e baixa renda familiar. Considerando o limitado alcance e recursos das políticas culturais tradicionais, sugere que a articulação destas com outras políticas sociais - voltadas para a juventude, os idosos, a acessibilidade e o combate à discriminação racial - possa contribuir nessa tarefa; bem como a formação de público por meio do ensino das artes, com resultados a médio e longo prazo.

Realizado pelo Instituto Conex e pelo Centro Latino-Americano de Estudos em Cultura (CLAEC), com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do RS (Fapergs), o Congresso de Pesquisa em Cultura e Sociedade teve como proposta promover o intercâmbio de pesquisas com focos em estudos culturais, e seus variados fenômenos sociais. 

O artigo será publicado em breve nos anais do Congresso (que compartilharemos aqui).

A regulamentação profissional dos artistas em xeque: parte 2

A então Procuradora-Geral em Exercício, Helenita Acioli,
que assinou a ADPF 293 (Foto Carlos Humberto/STF)
Damos sequência à matéria sobre o julgamento iminente de ações que questionam a constitucionalidade da legislação profissional dos artistas


Semana passada publicamos aqui um relato sobre a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 183, que visa declara inconstitucionais 17 artigos (e mais 4 parcialmente) da Lei 3857/60, que regulamentou a profissão de músico e criou a Ordem dos Músicos do Brasil.

Na mesma data em que está previsto, pelo Supremo Tribunal Federal, o julgamento dessa Ação, será pautada outra semelhante, a ADPF 293, que questiona a Lei 6533/78, que "dispõe sobre a regulamentação das profissões de Artistas e de técnico em Espetáculos de Diversões", e o  Decreto n° 82.385/1978, que regulamentou esta Lei. No pedido, a Procuradoria Geral da República questiona os artigos 7º e 8º da Lei 6.533/78, que reproduzimos:

Art 7º - Para registro do Artista ou do Técnico em Espetáculos de Diversões, é necessário a apresentação de:
I - diploma de curso superior de Diretor de Teatro, Coreógrafo, Professor de Arte Dramática, ou outros cursos semelhantes, reconhecidos na forma da Lei; ou
II - diploma ou certificado correspondentes às habilitações profissionais de 2º Grau de Ator, Contra-regra, Cenotécnico, Sonoplasta, ou outras semelhantes, reconhecidas na forma da Lei; ou
III - atestado de capacitação profissional fornecido pelo Sindicato representativo das categorias  profissionais e, subsidiariamente, pela Federação respectiva.
§ 1º - A entidade sindical deverá conceder ou negar o atestado mencionado no item III, no prazo de 3 (três) dias úteis, podendo ser concedido o registro, ainda que provisório, se faltar manifestação da entidade sindical, nesse prazo.
§ 2º - Da decisão da entidade sindical que negar a concessão do atestado mencionado no item III deste artigo, caberá recurso para o Ministério do Trabalho, até 30 (trinta) dias, a contar da ciência.
Art. 8º - O registro de que trata o artigo anterior poderá ser concedido a título provisório, pelo prazo  máximo de 1 (um) ano, com dispensa do atestado a que se refere o item III do mesmo artigo, mediante indicação conjunta dos Sindicatos de empregadores e de empregados.

São questionados também os artigos 8 a 15; 16, inc. I e parágrafos 1 e 2; 17 e 18 do Decreto 82.385/78, que detalham a Lei 6.533/78

Segundo a PGR, os dispositivos acima seriam incompatíveis com os seguintes incisos do Artigo 5 da Constituição Federal:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

Na fundamentação, que em boa parte repete ipsis litteris a da ADPF 183, mais antiga e que serviu demodelo (chegando mesmo, no parágrafo 23, a referir-se erroneamente aos sindicatos como "órgãos públicos", característica que não compartilham com a Ordem dos Músicos, objeto daquela ação), não se justificam as restrições à liberdade, seja artística, seja profissional, em profissões cujo exercício não implique "perigos à coletividade", tais como a Engenharia, o Direito ou a Medicina.

Tal como no caso da ADPF 183, da qual tratamos anteriormente, se acolhidos seus argumentos pelo STF a ADPF 293 não extinguirá as profissões que regulamentou. No entanto, o registro profissional de artistas e técnicos poderá ser feito diretamente no Ministério do Trabalho pelo interessado, sem necessidade de qualquer formação na área ou comprovação de experiência prévia (a qual atualmente é validada pelos sindicatos da categoria). Os demais dispositivos da Lei, entre eles os que determinam limites à jornada de trabalho ou a necessidade de contrato de trabalho, por exemplo, permanecerão inalterados.

Circulam na Internet manifestos com argumentos contrários à ADPF 293 (em conjunto com a ADPF 183), redigidas por grupos de artistas, com o apoio de entidades sindicais. Você pode encontrá-los aqui ou ali.

Em nota divulgada no site do Ministério da Cultura, o Ministro Sá Leitão "defende o reconhecimento legal das profissões de artista, técnico de espetáculo e músico, fundamental para a consolidação da economia criativa no Brasil", sustentando que a "exigência de registro para o exercício profissional de atividades artísticas é importante não só para garantir a qualidade da produção mas, principalmente, permitir que os profissionais da cultura tenham seus direitos garantidos", e que o  "respeito ao exercício profissional da arte não se confunde com a livre manifestação artística, direito previsto na Constituição, que sempre deve ser preservado."

Saiba mais sobre o teor da ADPF 293 e acompanhe seu andamento na página do STF.

[Atualização em 4/5/2018: A Ação foi retirada da pauta da sessão do STF de 26/4, sem previsão de próximo julgamento]

Profissões artísticas em pauta no STF: o que está em julgamento?

Deborah Duprat, Vice-Procuradora Geral da República
(2009-2013), que assinou a ADPF 183
Antes de se posicionar contra ou a favor, entenda melhor o que será julgado pelo STF


No próximo dia 26 de abril, estarão em pauta do Supremo Tribunal Federal duas ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), de números 183 e 293. O assunto vem ganhando repercussão crescente no meio artístico, o que justifica ser pautado também aqui, neste blog.

O que é uma ADPF? Trata-se de um tipo de ação que só é julgada pelo STF. Exemplos de ADPF que tiveram grande repercussão foram a 186/2009, que visava declarar inconstitucionais as cotas raciais na Universidade de Brasília, julgada improcedente; e a ADPF 54/2004, que questionava a ilegalidade da interrupção voluntária da gravidez em fetos anencéfalos, declarada procedente, ambas julgadas em abril de 2012.

Prevista no Art. 102, parágrafo 1, da Constituição Federal, e regulamentada pela Lei 9882/1999, a ADPF tem como objeto "evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público", cabendo sempre que "for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição. É o caso das ações em questão, que pretendem, com base na atual Constituição, declarar sem efeito dispositivos de leis anteriores a ela: a ADPF 183 refere-se à Lei 3857/1960, que regulamentou a profissão de músico e criou a Ordem dos Músicos do Brasil (OMB); e a ADPF 293, à Lei 6533/1978, que regulamentou as profissões de Artista e de Técnico em Espetáculos de Diversões. 
O atual Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Músicos
do Brasil, Gérson Ferreira Tajes

Visto tratar-se de distintas ações, que se referem a leis distintas sobre distintas profissões, é fundamental analisá-las separadamente (ainda que ambas se refiram a "profissões artísticas", o que parece justificar o fato de estarem reunidas na pauta do STF). Vejamos:

A ADPF 183, iniciada em 2009 pela Procuradoria Geral da República, pede que sejam declarados inconstitucionais diversos dispositivos da Lei 3857 - lei que nunca sofreu atualização, desde sua promulgação, em 1960. Segundo a então Procuradora-Geral da República, Deborah Duprat, eles violariam "preceitos fundamentais" contidos no Art. 5 da Constituição Federal, incisos:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; e
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

O relator da ação no STF, Min. Alexandre de Moraes
No pedido, alega que "a simples ideia da existência de um órgão público controlando a atuação de artistas, com poder de lhes impor penalidades, é incompatível com a tutela da liberdade de expressão." Em consequência, a PGR pede que o STF declare inválidos 17 dos 72 artigos da Lei (16, 18, 19, 28 a 40 e 49), além de trechos dos artigos 1, 17, 54 e 55.

Cabe notar, portanto, que os restantes 51 artigos da Lei 3857 não foram questionados pela PGR. A ADPF 183 não pede a extinção da OMB, muito menos da profissão de músico. Na hipótese de ser julgada procedente, a filiação à OMB passará a ser voluntária. (Hoje ela é obrigatória, embora nas duas últimas décadas um grande número de profissionais tenha obtido decisões liminares que os isentaram da filiação e pagamento de anuidade, algumas já confirmadas pelo STF).

Normas que definem o funcionamento da entidade, como as eleições, mandatos e composição de seus conselhos regionais e federal, não foram questionadas, assim como os capítulos que restringem a duração do trabalho dos músicos e diversas disposições gerais, entre as quais a que confere "aos músicos profissionais... todos os preceitos da legislação de assistência e proteção do trabalho, assim como da previdência social." (Art. 60) Tampouco é objeto da ADPF 183 o Art. 53, que obriga os contratantes de músicos estrangeiros que se apresentam no país a pagarem uma taxa equivalente a 5% dos cachês para a OMB (e outros 5% para o sindicato local)

A Advocacia do Senado e a Advocacia Geral da União manifestaram-se favoravelmente ao pedido. A OMB manifestou-se em contrário, através de vários de seus conselhos regionais representados no processo. Todavia, não encontramos manifestações específicas da entidade sobre o tema, nas páginas do Conselho Federal ou do Conselho Regional do RS.

Em 2014, o Plenário do STF já se manifestou por unanimidade, com reconhecimento de repercussão geral, pela não-obrigatoriedade de filiação dos músicos à OMB. (Leia aqui a notícia)
Acompanhe aqui a tramitação da ADPF 183.

Em novembro do ano passado, a Comissão de Educação do Senado realizou audiência pública sobre a OMB, disponível em vídeo aqui.

Na próxima postagem, abordaremos a ADPF 293, cuja tramitação iniciou em 2013.

[Atualização em 4/5/2018: A Ação foi retirada da pauta da sessão do STF de 26/4, sem previsão de próximo julgamento]

Com informações da Página do STF na Internet e da Wikipedia.